Lições de uma desconhecida
Era uma senhora de cabelos compridos, grisalhos e algumas rugas, mas o que mais me chamou a atenção nela foi o olhar triste. Tinha um filho preso há um ano no presídio Carlos Tinoco da Fonseca e, como faz todas as semanas, se preparava para visitar o rapaz. Era mais uma matéria que eu tinha nas mãos, a pauta tinha sido minha e, assim como eu pensava, tinha na minha frente uma senhora simpática. Igualzinha a que eu idealizei para fazer o texto, me contar boas histórias e fazer boas fotos. Mas, eu não contava que fosse ficar tão tocada com a perseverança da mulher que nunca vi na vida, mas que foi capaz de me emocionar tanto. Eu a fiz chorar. E me arrependi. Mas não foi de propósito. Quem trabalha com jornalismo sabe que perguntas bem feitas se transformam em belas respostas e foi mais ou menos isso que tentei fazer.
Perguntei sobre o Natal, Ano-novo, essas festinhas de final de ano que a gente gosta de passar com as pessoas que ama. Ela abaixou a cabeça, fechou os olhos e as lágrimas começaram a rolar pelo rosto marcado pelo tempo. Fiquei com vontade de lhe dar um abraço, dizer que eu não precisava mais se lembrar de nada daquilo e que eu não queria saber de suas histórias. Mas, ao invés disso, meu senso profissional falou mais alto e eu fiquei quieta no meu canto, com a caneta e o papel sendo amassados silenciosamente atrás de minhas costas. Ela então me olhou com os olhos vermelhos e disse que ano passado tinha sido triste sem ele. Mas, agora, seria diferente porque o advogado já tinha prometido libertar o filho antes do final do ano. Ela tinha fé que passaria o Natal ao lado do seu “menino”.
Despedi-me da minha velhinha de olhar triste e fui embora pensando no quanto nós mulheres somos fortes e no quanto acreditamos em um amanhã mais feliz. É sempre assim quando o presente não traz coisas muito boas para as pessoas que amamos, principalmente para os filhos. Vencemos as barreiras, corremos os ricos, enfrentamos situações constrangedoras como a minha velhinha enfrenta todas as semanas para visitar o filho: Passa pela revista e, no alto dos seu 75 anos, precisa despir sua roupa e sua vergonha para uma desconhecida. Mas ela não se intimida, do lado de lá daquelas paredes altas, das grades, está um pedaço dela: O amor da sua vida. E ela segue em frente, firme, determinada. Pelo caminho, vai deixando papeizinhos com trechos da Bíblia. “È para espalhar a fé, a esperança”... explica.
Talvez a minha velhinha nunca venha a saber a lição que me deu naquele dia. Talvez ela nem se lembre mais da “mocinha simpática” que passou alguns minutos em sua companhia mas eu, certamente, vou me lembrar de seus olhos tristes e da sua esperança de dias melhores. Vou lembrar sempre dela quando achar que o final de semana ainda está longe, que eu tenho que acordar cedo mais uma vez e que o dinheiro anda curto. Afinal, ali do meu lado, o meu filho dorme e sem nenhum sacrifício posso abraçar seu corpinho, beijar suas bochechas. E, para isso, eu não preciso me despir nem de sonhos nem de roupas. Obrigada dona Luciana pelas lições que me deu mesmo sem saber. E, que neste Natal, Papai Noel traga seu filho e sua dignidade de volta!
Um comentário:
Mariane é assim gente, sensível poética. Já conhecia todos esses textos, mas me emocionei novamente com ela, suas histórias, sua vida de menina de roça. Ai Mari, que lindo! Parabéns amiga.
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