Cheirinho de café
Dia desses estava pensando em qual cheiro meu filho, Leonardo, vai guardar de sua infância. Eu guardo em um cantinho muito especial, o cheiro do café que minha mãe, Estelva, fazia de manhã cedinho. Era assim que eu acordava nos meus tempos de criança: com o cheirinho invadindo meu quarto. Tinha ainda umas rosquinhas de polvilho, conhecidas como “engano”, que faziam companhia ao café. A mistura desses dois alimentos era melhor que qualquer despertador. Ninguém conseguia ficar na cama.
Eu sempre fui apaixonada por café. Aliás, acho que não tem bebida mais propícia para quem mora na roça e tem batata-doce assada na chapa do fogão à lenha ou bananas fritas na mesa. Não tem igual! Principalmente, se o café for tomado naquelas canequinhas de alumínio pequenininhas. Se o apreciador da bebida tiver uma varandinha ou um degrau na porta da cozinha com vista para o pôr ou nascer do sol então pode ficar tranqüilo porque não veio aqui na terra por acaso. Só o cenário e o gostinho de café já valem a viagem.
Quando fiquei adolescente entrei numa fase que café era coisa de gente velha e fingia que não gostava nem um pouquinho daquele líquido escuro e de cor e sabor inconfundível. Entretanto, essa minha posição madura diante de meu cardápio sempre caia por terra quando voltava para a minha casa em Deserto Feliz e minha mãe me acordava com o precioso cheirinho do café. Coisa de velho? Até poderia ser, mas eu preferia deixar para pensar nessas questões tão profundas na segunda-feira, quando as aulas voltariam ao normal e a minha vida adolescente também.
Mas, minha fase rebelde não durou muito. Acabou quando coloquei meus pés em uma Redação de jornal. Aqui, como em todos os outros lugares onde se respira jornalismo, o café reina absoluto. O entrevistado sumiu? A pauta caiu? O Lead (aquele primeiro parágrafo que precisa ter o mais importante da notícia) não vem de jeito nenhum? Um cafezinho resolve. A bebida serve também para os casos de desilusão amorosa. É só ir para a cozinha, conversar com um amigo de confiança e resolver tudo com o cafezinho.
Agora, depois de dois meses de abstinência forçada por causa de uma gastrite, caí em tentação. Onde? Na casa de minha mãe, claro! Eu juro que tentei resistir, mas café com Bolo Amélia é uma coisa de outro mundo. Ainda mais feitos pela minha mãezinha. Pensei durante alguns segundos que era melhor resistir. Afinal, minha gastrite anda cada vez pior e, segundo os especialistas, café é um veneno. Não deu para resistir. Com o perdão do trocadilho, o café foi mais forte do que eu. Tomei, e no dia seguinte acordei com um certo enjôo e com a promessa de que nunca mais vou tomar essa bebida que, para mim, é uma invenção dos deuses. Pelo menos até voltar para minha casa e acordar com aquela mistura de café com engano invadindo meu quarto. Saudade das manhãs com cheirinho de café..
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